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Portuguese grape ale

PORTUGUESE GRAPE ALE

Nos últimos anos alguns craft brewers de Portugal tiveram a iniciativa de eleger a uva para dar identidade quiçá ao primeiro estilo de cerveja reconhecido do país. Epifania plausível, seja dito de passagem, cervejas com acréscimo de frutas não são uma novidade criativa dos dias de hoje; deveras, há vestígios de que, entre outros botânicos, as cervejas primitivas da Antiguidade poderiam incorporar frutos, os quais, inclusive, continham colônias de leveduras para dar início à fermentação.

Bastante provável que a mobilização portuguesa tenha sido fomentada pelo facto de que, em 2018, os italianos tiveram enfim sua Italian Grape Ale inclusa como “estilo provisório” no guia do BJCP (Beer Judge Certification Program) sob a categoria de Fruit Beer.

Naturalmente, muitos cervejeiros ao redor do mundo já testaram adicionar uvas na praticamente ilimitada listagem de frutas possíveis. Aliás, dentre os sub-estilos mais tradicionais de Fruit Lambic, notória por incorporar frutos silvestres à cerveja, inclui-se a Druivenlambiek, em geral, uma base Gueuze com adição de bagos da casta Muscadet nos barris da cerveja em fase de envelhecimento para que a microbiota de leveduras e bactérias possa fermentar os açúcares simples da fruta e assim associar novos subprodutos e aromas.

Todavia, mais do que o reles emprego de uvas sativas, o estilo italiano representa uma aliança entre a cerveja e o vinho, um vínculo do artífice com a terra, a cultura e a história da sea nação. É justamente nesta mesma herança de tradição vitivinícola secular que a motivação dos portugueses se fundamenta.

A cervejaria minhota Letra, talvez seja a mais empenhada em promover o estilo. Seu portfólio possui dois rótulos produzidos em colaboração com o enólogo Anselmo Mendes: um com Alvarinho e outro com Loureiro, ambas castas de grande expressão na região demarcada dos Vinhos Verdes, à qual os cervejeiros e o vinicultor possuem forte ligação afetiva.

Cada uma destas grape ales foi elaborada com métodos distintos. A primeira receita juntou 30% de mosto de uva com 70% de mosto de cevada e estagiou por 7 meses em barril reutilizado de vinho Alvarinho; já para a segunda formulação, assim como fazem os belgas mais tradicionais de Lembeek, adicionaram os bagos inteiros da uva diretamente ao mosto-base de cevada maltada e flocos de trigo, neste caso, para fermentar com linhagens de leveduras selecionadas.

Outro consórcio feito pela cervejaria, que resultou no estilo, foi com a Adega de Ponte da Barca, também do Minho. Desta parceria surgiu a marca Cervejola, da qual contém os rótulos «Red» e «White» aludindo aos vinhos: a versão de inspiração tinta é uma base Red Ale com 40% de mosto da casta Vinhão / Sousão; enquanto a versão branca é uma base Saison composta pelas castas Alvarinho, Arinto / Pedernã, Loureiro e Trajadura – todas procedentes do Noroeste de Portugal.

Mas as experimentações com adição de uvas pela Letra, que possui uma linha de cervejas especiais maturadas em barricas de carvalho, não pararam por aí. Destas edições «On Oak» tiveram: uma cerveja com 30% do mosto composto pelo corte da tríade Aragonez / Tinta Roriz, Touriga Nacional e Touriga Franca, castas tintas icônicas do Douro Vinhateiro, a estagiar por 10 meses em cascos usados de vinho do Porto; e outra com 20% do mosto com colheita tardia da casta Fernão Pires, cuja podridão-nobre da uva ajudou a conferir mais complexidade.

O cervejeiro Pedro Sousa, da Post Scriptum, na divisa do distrito do Porto com Braga, criou a «Simbiose», nome oportuno para uma grape ale feita com a casta Loureiro, já dita relevante no Entre-Douro-e-Minho.

Descendo no mapa, no concelho de Aveiro, o cervejeiro Gonçalo Faustino, da Maldita, juntou-se ao enólogo Luís Leocádio, da Titan of Douro, para lançar o rótulo «Titan» com mosto de vinhas velhas brancas do Vale dos Mil.

Na Bairrada, mais precisamente na divisa do distrito de Aveiro com Coimbra, os cervejeiros da Luzia que, têm formação como enólogos, primeiramente produziram uma intitulada Italian grape ale com adjunção de mosto das castas Baga, Chardonnay e Sauvignon Blanc, a utilizar leveduras das películas das uvas e maturar por meio ano em barrica de carvalho-francês. Por fim ‘redimiram-se’ e elaboram uma Portuguese grape ale; nada menos que uma robusta base Barleywine com adição de Baga, fermentada em dorna de carvalho e maturada em cascos de Porto Tawny.

A cervejaria lisboeta Dois Corvos, conhecida entre os “zitófilos” por suas bem-sucedidas experimentações com uso de madeira, leveduras selvagens e adjunção de frutas, obviamente também se aventurou no estilo; além de um tanto de cervejas maturadas em barris com depósitos de Carcavelos, Moscatel, Porto et cœtera que notoriamente trazem notas vínicas.

O rótulo da «Que Syrah, Syrah» já denuncia a casta utilizada nesta grape ale, mas apesar da Syrah / Shiraz ser estrangeira, adaptou-se muito bem ao país e é casta recomendada nalgumas denominações de origem; enfim, esta cerveja fermentou com Brettanomyces sp. e Lactobacillus sp. e estagiou por longos 22 meses em barril de Porto. Sua congênere «Vines of Passion» envelheceu em barricas de carvalho por mais de 2 anos, uma grape ale com mosto de Moscatel adicionado ao mosto-base de cevada, trigo, aveia e centeio, também fermentada com leveduras selvagens e lupulada com a variedade Nelson Sauvin.

Embora o lúpulo seja discreto na maioria das fruit beers, em função do seu amargor contrastar com a acidez e os seus aromas competirem com o protagonismo da fruta em questão, aqui vale um parêntese: o emprego do lúpulo neozelandês Nelson Sauvin vem bem a calhar. Esta variedade excêntrica de amargor suave é conhecida por suas notas de vinho branco, de tal maneira que seu nome é derivado da semelhança sensorial com vinífera Sauvignon Blanc naquele terroir.

Ainda em Lisboa, a cervejaria Oitava Colina produziu, com licença poética para os trocadilhos: a «Mané & Xandon», uma grape ale feita com a casta branca Encruzado; e a «Matias Tozé», uma grape ale feita com corte de Touriga Nacional e Trincadeira / Tinta Amarela – todas colhidas na região.

Em Mafra, na zona de Lisboa, a cervejaria Mean Sardine juntou-se a Quinta de Sant’Ana para produzir uma base Super Saison com mosto de Fernão Pires / Maria Gomes a estagiar em barris usados de vinho Pinot Noir. Outra parceria da cervejaria, também no concelho, feita com a vinícola ManzWine, detentora de vinhas raras de Jampal, produziu uma grape ale que levou o nome desta casta branca autóctone.

Curiosamente as grandes empresas vinícolas portuguesas que também estão a empreender no nicho de mercado das craft beers ainda não tomaram a iniciativa por si mesmas de apostar no estilo. Tenho ciência apenas da Herdade do Rocim, no Alentejo, que lançou a «Mimi», uma grape ale com mosto de Antão Vaz fermentada em ânfora – única até então com esta característica.

É presumível que alguns rótulos menos conhecidos, mas não menos relevantes, não tenham sido supracitados. Igualmente, alguns cervejeiros caseiros com acesso a videiras nos quintais também estão a desfrutar do estilo, aliás, nos fóruns de internet há relatos até mesmo de cervejas feitas com uva-morangueira.

Apesar de certos exemplares comerciais da Portuguese Grape Ale já comecem a ganhar prêmios em concursos internacionais, o que denota um reconhecimento imparcial pela sua qualidade perante outros pares em categorias mais abrangentes, ainda falta maior adesão das cervejarias nacionais para melhor moldar suas características e atributos além de uma mera variação experimental pelo emprego efêmero de ingredientes locais e assim, efetivamente, dar-lhe resplendor como um estilo único.

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